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domingo, 24 de outubro de 2010

Leaves of Grass

Leaves of Grass, Tim Blake Nelson, 105 minutos, Comédia, Drama, Estados Unidos, 2009

Depois de vilão em "Italian Job", esquizofrénico em "Fight Club", skinead em "American History X" e sóciopata em "Primal Fear", Edward Norton dá corpo a não uma, mas, sim, duas personagens, desempenhando o papel de dois irmãos gémeos Bill e Brady.

Mais uma vez, como nos habituou, a sua actuação é refulgente. É impossível não gostar da sua versatilidade muito incomum actualmente. Em "Leaves of Grass" há uma mescla de humor e drama, que resulta num escárnio saudável da vida de uma família bem invulgar e deteriorada pelas diferenças. O filme apresenta também um elenco bem escolhido – Susan Sarandon e Keri Russel fazem as delícias do público em papéis bem encantadores.

Ainda que o filme tenha um bom cast, assim como cenários naturais bastante belos, falha em alguns aspectos. A história não é má de todo, mas um bocado sem sal, digamos que débil. Falta algo. Sente-se uma certa confusão ou estranheza provocada, talvez, pela ausência de um clímax verdadeiramente digno da personagem de Norton. Ou não seria ele o mais adaptado dos actores a enredos com final twist - os casos mais gritantes são "Fight Club" e "Primal Fear".

Embora seja um filme agradável de se ver, não é genial, nem muito menos um filme muito marcante como esperaria. Também não é de desprezar. Mas, sim, de relembrar algumas actuações já mencionadas como eficazes e salutares. De olhar para algumas quotes. Penso que quando chegar a Portugal será uma película que dividirá críticos e públicos. Entre o exangue e o sadio. É ainda apontado como indie por alguns, embora eu ache que esse termo só se aplica a este filme se visto num sentido muito lato e relativo a orçamentos apenas. Contudo a produção é de cariz independente, tendo sido exibido pela primeira vez no Festival de Filmes de Toronto, que já aí suscitou reacções muito controversas.

Há também pontos muitíssimo positivos além dos já mencionados. A personagem mais rural desempenhada por Norton confere grande graça ao filme. Assim como a apresentação do mundo das drogas de forma tão soft e espontaneamente cómica e as peripécias subjacentes.

Escrito e realizado por Tim Blake Nelson, também realizador de "O Brother, Where Art Thou?", o filme tenta passar a mensagem de como o choque entre pessoas completamente diferentes e brilhantes (à sua maneira ou no seu contexto) pode ser benéfico ainda que não seja linearmente bom. A metragem mostra também alguma falta de profundidade psicológica no que toca às personagens. Tirando o duo de irmãos, apesar de "graciosas", as restantes personagens não revelam os seus sentimentos e história anterior ao momento em que surgem na narrativa. Caem de pára-quedas na história. Depois ficam um pouco à margem, e tudo se desenrola à volta do intuito de um dos gémeos - Brady. As outras personagens aparecem mesmo como espécie de fait-divers, ou seja sem realmente terem um papel decisivo no filme além do 'decorativo'.

"Leaves of Grass" poderá se tornar num pequeno guilty-pleasure a meu ver, nunca num filme de culto ou coisa que se pareça, infelizmente, para Tim Blake Nelson não passará de mais um "Hulk" na sua carreira!

Black Dynamit

Black Dynamite, Scott Sanders, 84 min, Estados Unidos, 2010

Imaginem Austin Powers, mais o ambiente dos anos 70, mais mil e um efeitos especiais, muita violência, sexo, imensas acções hiperbólicas e referências à linguagem da blaxploitation. Já imaginaram? Pronto. Então estão perante aquilo que é “Black Dynamite”.

Este filme aspira trazer ao público uma mistura de movimentos cinematográficos. Há nuances daquilo que entendemos por b-movie. Desde o genérico que aparece só depois de uma cena jovial, assim como um certo deslocamento temporal, as próprias personagens, o seu figurino muito estranho, as deixas extremamente cliché e patetas, as acções non-sense e sensação, quase propositada, de pouco cuidado na montagem. Para o público que já tenha visto filmes do género, denota-se nos primeiros minutos a tentativa flagrante de se tentar ridicularizar, no bom sentido, a realização que era feita na altura em que este tipo de filmes saíram – como as explosões muito adulteradas, erros descarados de continuidade, substituição de personagens por outras e mudança da posição de forma inexplicável da personagem.

A nível de cast é difícil avaliar se a prestação é boa ou não. O facto de o filme tentar fazer de propósito uma crítica aos exploitations, filmes de série b e movimentos cinematográficos dos anos 70, faz com que seja difícil apreciar o desempenho dos actores. Michael Jai White (Black Dynamite) é um exemplo. Podemos afirmar que desempenha com eficácia o que lhe parece ser proposto, mas a realidade é que a linha entre o ridículo e a alusão ao estilo dos movimentos é muito ténue.

Contudo, é uma metragem que se vê bem. Tem um grau muito elevado de comicidade, mas que se analisarmos bem percebemos que este exagero tem um propósito. Propósito esse de relembrar um estilo já esquecido, um propósito de fazer um humor diferente, um propósito de tentar trazer o espírito da era da disco – o sexo, o machismo, as roupas e os penteados alucinantes. Todavia, este intuito revela-se também negativo. Para quem não tem conhecimentos da história e movimentos cinematográficos, é difícil entender qual o objectivo do filme. Tal como aconteceu na altura em que o Grindhouse, “Death Proof”, passou nos cinemas português, pois, no fim da sessão, várias foram as pessoas que se queixaram da má qualidade do filme. Deste modo, percebemos com este exemplo que, sem ser contextualizado, o filme pode ser encarado como um desperdício de película.

“Black Dynamite” apresenta-se como uma verdadeira paródia do inicio ao fim, o que leva a que a premissa inicial passe para segundo plano e que o foco esteja apontado a todas as peripécias do protagonista durante todo o filme.

Jackie Brown

Jackie Brown, Quentin Tarantino, 154 min, Drama, Estados Unidos, 1997

Jackie Brown" (JB) é um filme que surgiu, infelizmente, numa altura um pouco ingrata. As obras que o antecederam -"Pulp Fiction" e "Reservoir Dogs"- elevaram o realizador a um patamar mais elevado e exigente. Devido às expectativas criadas, "JB" foi menosprezado, pelo público, por não alcançar ou superar os filmes antecedentes de Tarantino. Tornando-se, porém, mais tarde num filme de culto por pertencer mais à filmografia do realizador do que propriamente pelo seu valor individual enquanto longa-metragem.

A meu ver esta película não é nenhuma obra-prima. Claramente. Mas também não é de longe um mau filme. É, sim, distinto do que o realizador havia feito até a 1997. É um filme mais maduro; onde Tarantino mostra o seu consolidar enquanto cineasta. Sendo assim foca-se mais nas personagens e nos seus problemas como pessoas – exemplo da personagem principal, Jackie Brown (Pam Grier), e o medo de envelhecer, que é um tema tratado implicitamente no filme.

O recurso a movimentos como o blaxploitation* está presente. Assim o também realizador de "Pulp Fiction" alia este conceito ao seu filme, usando como protagonista Pam Grier e antagonista Samuel L. Jackson, ambos de origem negra. O que exalta o teor do filme como posterior película de culto.

Relativamente aos actores, a sua prestação é bastante boa no geral. A de Samuel L. Jackson é deliciosa, hilariante, incorporando neste filme uma das personagens mais alienadas que já fez desde "Pulp Fiction" (1994). Robert De Niro ( "Taxi Driver"), embora tenha um papel pequeno, mostra-se, mesmo assim, eficiente. Quando vemos "Jackie Brown" dá uma certa saudade dos longos tempos áureos destes dois actores que foram levados pela maré comercial. Por fim, Robert Forster ("Mulholland Drive") - que foi nomeado para o Óscar de melhor actor secundário - e Pam Grier ("Mars Attacks!") têm papéis bastante interessantes, que desempenham com mestria.

O guião está baseado na novela "Rum Punch" de Elmore Leonard, este foi reescrito por Quentin Tarantino, tendo assim várias alterações tanto nas personagens como no rumo da história. Sente-se assim a presença do realizador cena a cena. Desde o inicio, que é muito próprio dos seus outros filmes, pois somos introduzidos pela protagonista filmada de ângulo lateral dando a ideia de que nos temos de focar nela e não no que a rodeia. Os planos próximos/muito grandes planos das personagens também são constantes e característicos. Mais ainda é o 'plano da mala', que aparece em todos os filmes do realizador. A narração não linear é mais um dos traços dos filmes de QT; com diálogos memoráveis e uma importante dose de violência e sangue sublimados esteticamente e atenuados por um toque humorístico único (apesar de em "JB" haver menos cenas do que em "Reservoir Dogs" e demais filmes). Sinais emblemáticos do cinema independente que ainda hoje abre portas a muitos jovens cineastas. Outras marcas são evidentes; o fetiche pelos pés femininos, a protagonista ser uma mulher - tal como QT já nos habituou em "Kill Bill" com Uma Turman e "Death Proof" com Rose McGowan e as restantes actrizes, por exemplo. A referência a filmes de série B também está presente, começando logo pelos títulos, assim como alguns planos, falas, mortes e o tipo de personagens/ história. A soundtrack é outro dos pontos a aplaudir. Os filmes do realizador têm felizmente a tradição de nos trazer aos ouvidos bons temas que acompanham o filme, conferindo-lhe ritmo a toda a narrativa e graça, além de um agradável bem-estar.

Apesar de estar ciente que os diálogos longos são uma marca já conhecida dos filmes de Quentin e embora sejam brilhantes, o facto de "JB" não ter tanta acção faz com que o público se aborreça. Existem ainda algumas falhas de racord, principalmente a nível cronológico. Exemplo disso é a cena em que se vê o calendário na cozinha de Jackie e este é de 1997 e não de 95, ano da história.

Há quem o reprove moralmente, mas é impossível negar a talento de Tarantino. Talento esse que cria arte que surge da combinação esplêndida daquilo que de mais real há - a violência verbal e visual (gore), a nudez e sexo, o álcool e drogas, que se juntam harmoniosamente. Dando, então, origem a algo antagónico e primoroso chamado 7ª Arte.

*Blaxplotation: Estes tipos de filmes eram protagonizados e realizados por pessoas negras e tinham como público-alvo, sobretudo, os negros norte-americanos


"Embargo"


Embargo, António Ferreira, 80 min, Drama, Portugal, 2010,

Depois de 'Blindness', as obras de José Saramago voltam a dar origem a outro filme - "Embargo". Mas, desta vez, a história é passada em Portugal, mais propriamente Coimbra, e tem a realização de António Ferreira. Este aparece-nos como uma combinação do estilo que se vê lá fora, mas também com um toque tradicional português. Como é esta receita possível? Terei de ser um pouco spoiler e evocar as falas da personagem de José Raposo que insiste, ao costume incessante ilógico de um bom português, que o protagonista "deve ser de Braga". Digamos que, apesar do que se vê no cinema português, cuja indústria é inexistente, este filme não pretende ser um 'mainstream norte-americano wannabe" como, infelizmente, parece cada vez mais costume- temos o exemplo dos chamados filmes de autor.

Assim, o filme apresenta-se como uma lufada de originalidade, que ainda com bastante falhas, quer técnicas, quer de argumento, mostra um pouco dos maneirismos nacionais e, ao mesmo tempo, universais do homem. "Embargo" consegue surpreender e deve ser compreendido à luz do tipo de filme e de equipa que o criou, tendo em conta o seu contexto e recursos – maioritariamente lusos apesar da cooperação espanhola e brasileira.

Muitos críticos apontaram-no como 'uma história negra e absurda que os irmãos Cohen se lembrariam, mas que por eles nunca foi feita '. Concordo. Mas concordo ainda mais que a genialidade de Saramago está à frente dos afamados realizadores. Difícil de transportar para o ecrã, principalmente com os recursos português, o filme teve os seus vivas no festival FantasPorto. Aí foi a primeira vez que ouvi falar dele.

Todavia, como já tinha assinalado, existem algumas falhas técnicas evidentes. Logo no inicio, os movimentos de câmara são demasiado abruptos e descuidados. Há uma necessidade de através da deambulação da câmara se mostrar o que se está a passar, mas isso não resulta muito bem. Confunde e distrai o público. Pelo menos foi o meu caso. Esse é o descuido número um. O número dois é a personagem Laura, pode ser apenas um atraso do som, mas a voz da criança parece demasiado artificial e descentrada dos movimentos da sua boca. O último grande erro, e talvez o mais fatal, é a duração do filme. Apesar de já parecer pouco 80 minutos, a meia hora do fim o filme perde-se. Torna-se chato, lento e pouco atractivo. A causa deve-se ao clímax que é demasiado tardio, pois o argumento seria impecável para um short film e não para uma longa-metragem.

Ainda existem muitos acertos que têm de ser feitos para se chegar ao nível do bom cinema europeu. É necessário também bons actores - o que lhe falta um pouco -, pois os indivíduos secundários são todos muito amadores. Pelo contrário o elenco principal é bastante bom, Filipe Costa, que curiosamente é músico na vida real, possui uma performance invejável, sem sair do personagem em nenhum momento. Ainda que curta, a prestação de José Raposo é deliciosamente benéfica. Também admirável é a cenografia do filme. Em especial a reconstrução do ambiente vivido nos anos 70, dotado de uma fotografia inteligentemente encaixada ao ritmo da narração, possibilitando assim dar vida ao conto homónimo de Saramago.

O bom humor do escritor, que infelizmente faleceu antes de ver a estreia da película, está presente desde o princípio ao fim da longa-metragem. Neurótico. Estranho. Peculiar. Sublime. É assim que caracterizo "Embargo", que pode ser o princípio do fim do embargo do bom cinema português.

"Adventureland"

Adventureland, Greg Mottola, 107 min, Comédia, Drama, Romance, Canadá, 2009,

Embora não tenha chegado às nossas salas de cinema, ‘’Adventureland’’ mostra bastantes afinidades com filmes que todos nós já tivemos a oportunidade de ver. À semelhança de ‘’Juno’’, é incrivelmente dramático, todavia extremamente divertido e leve. É um novo estilo ‘indie’. Os actores são conhecidos (apesar de jovens), o argumento envolve um romance pouco convencional, geralmente juvenil, e um pequeno orçamento é acompanhado por mais uns zeros à direita e não por uma câmara e conjunto de actores desconhecidos como outrora acontecia.

Do mesmo realizador de ’Superbad’, não é de estranhar as similaridades também existentes entre ambos; o mesmo estilo de cast é apresentado – salientando o protagonista que é sempre uma espécie de ‘anticool’, de adolescente com mau karma e que de repente vê a sua vida mudar.

Greg Mottola reúne um leque de actores muito distintos, o que poderia acabar num verdadeiro falhanço. No entanto a receita até funciona bem, apesar de Kristen Stewart - conhecida de filmes como ‘Crepúsculo’’ e o mais esquecido ‘Sala de Pânico’ - continuar a parecer, por vezes, apática e pouco preparada para papéis que exijam alguma versatilidade e não só saber as deixas; há a falta de alguma química entre a personagem de Jesse Eisenberg (James) e de Kristen (Em), o que empobrece um pouco o filme. Porém, é de ressalvar a prestação de Eisenberg – que futuramente estreará nos grandes ecrãs nacionais como protagonista em ‘The Social Network’. Embora faça lembrar as múltiplas e sócias personagens de Michael Cera, não é de deixar passar que consegue dar na perfeição vida à respectiva personagem. Apesar da lacuna que Kristen representa (pois acredito que outra actriz, talvez não conhecida, fizesse um melhor papel) a quebra é camuflada pelo argumento, que envolve o público.

O filme brilha em mais alguns aspectos. As deixas são um exemplo de como um filme pode ter uma excelente combinação de dualidade de género; escárnio e desgraça que podem ser exprimidos por uma das marcantes taglines :” It was the worst job they ever imagined… and the best time of their lives.”

As peripécias da personagem principal são bastante realistas. Vários temas são expostos de um modo pouco penoso, desde a falta de dinheiro à traição, tudo passa por “Adventureland”. Até o actor Ryan Reynolds. Este surge-nos num papel mais negativo do que aquele que estamos acostumados a ver nas comédias românticas, ou ‘teen’, que anteriormente protagonizou (Van Wilder).

A nível técnico não existe nada de particular a valorizar. É bastante linear e simplista, sem grandes efeitos ou recurso a planos invulgares; há apenas um predomínio da reconstrução do ambiente vivido no fim dos anos 80 – a roupa, as músicas, os penteados, entre outros aspectos - , que é de louvar por ser tão fidedigno.

Embora não consiga fazer sombra ao sucesso de Jason Reitman, que já tem três filmes muito conhecidos no seu currículo, Greg Mottola fez um óptimo trabalho. Não foi só a realização, mas também a escrita do argumento que são da sua autoria. Além de que supostamente este usa o filme para retratar alguns momentos biográficos da sua juventude. Talvez isso justifique o porquê do evidente aprofundamento psicológico de quase todas as personagens. Paralelamente aos pontos positivos, pode-se encontrar ainda alguns pontos negativos. O filme não consegue fugir ao eterno cliché do romance que no fim vence, nem a uma história que se vê solucionada perto do clímax, como “500 days of summer” orgulhosamente consegue. Mas, pelo menos, se este género continuar a proliferar, posso dizer que vale a pena, pois, se não abusarem do conceito, é uma boa escapatória para a trivialidade em que caiu o género comédia romântica ou comedia ‘teen’, um lugar-comum onde, infelizmente, não há realmente uma história.

Crítica por Andreia Mandim