domingo, 24 de outubro de 2010
"Embargo"
Depois de 'Blindness', as obras de José Saramago voltam a dar origem a outro filme - "Embargo". Mas, desta vez, a história é passada em Portugal, mais propriamente Coimbra, e tem a realização de António Ferreira. Este aparece-nos como uma combinação do estilo que se vê lá fora, mas também com um toque tradicional português. Como é esta receita possível? Terei de ser um pouco spoiler e evocar as falas da personagem de José Raposo que insiste, ao costume incessante ilógico de um bom português, que o protagonista "deve ser de Braga". Digamos que, apesar do que se vê no cinema português, cuja indústria é inexistente, este filme não pretende ser um 'mainstream norte-americano wannabe" como, infelizmente, parece cada vez mais costume- temos o exemplo dos chamados filmes de autor.
Assim, o filme apresenta-se como uma lufada de originalidade, que ainda com bastante falhas, quer técnicas, quer de argumento, mostra um pouco dos maneirismos nacionais e, ao mesmo tempo, universais do homem. "Embargo" consegue surpreender e deve ser compreendido à luz do tipo de filme e de equipa que o criou, tendo em conta o seu contexto e recursos – maioritariamente lusos apesar da cooperação espanhola e brasileira.
Muitos críticos apontaram-no como 'uma história negra e absurda que os irmãos Cohen se lembrariam, mas que por eles nunca foi feita '. Concordo. Mas concordo ainda mais que a genialidade de Saramago está à frente dos afamados realizadores. Difícil de transportar para o ecrã, principalmente com os recursos português, o filme teve os seus vivas no festival FantasPorto. Aí foi a primeira vez que ouvi falar dele.
Todavia, como já tinha assinalado, existem algumas falhas técnicas evidentes. Logo no inicio, os movimentos de câmara são demasiado abruptos e descuidados. Há uma necessidade de através da deambulação da câmara se mostrar o que se está a passar, mas isso não resulta muito bem. Confunde e distrai o público. Pelo menos foi o meu caso. Esse é o descuido número um. O número dois é a personagem Laura, pode ser apenas um atraso do som, mas a voz da criança parece demasiado artificial e descentrada dos movimentos da sua boca. O último grande erro, e talvez o mais fatal, é a duração do filme. Apesar de já parecer pouco 80 minutos, a meia hora do fim o filme perde-se. Torna-se chato, lento e pouco atractivo. A causa deve-se ao clímax que é demasiado tardio, pois o argumento seria impecável para um short film e não para uma longa-metragem.
Ainda existem muitos acertos que têm de ser feitos para se chegar ao nível do bom cinema europeu. É necessário também bons actores - o que lhe falta um pouco -, pois os indivíduos secundários são todos muito amadores. Pelo contrário o elenco principal é bastante bom, Filipe Costa, que curiosamente é músico na vida real, possui uma performance invejável, sem sair do personagem em nenhum momento. Ainda que curta, a prestação de José Raposo é deliciosamente benéfica. Também admirável é a cenografia do filme. Em especial a reconstrução do ambiente vivido nos anos 70, dotado de uma fotografia inteligentemente encaixada ao ritmo da narração, possibilitando assim dar vida ao conto homónimo de Saramago.
O bom humor do escritor, que infelizmente faleceu antes de ver a estreia da película, está presente desde o princípio ao fim da longa-metragem. Neurótico. Estranho. Peculiar. Sublime. É assim que caracterizo "Embargo", que pode ser o princípio do fim do embargo do bom cinema português.
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