quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Inception: o poder de ser capaz de acreditar
Alguma vez acordaram com o coração a palpitar de um sonho, ainda atordoados entre o que é e não é real? Se sim, percebem perfeitamente toda a fisionomia de ‘Inception’. O palpitar do coração; a confusão momentânea de saber o que realmente aconteceu; se aconteceu; se está a acontecer; se realmente estamos ali; se estamos acordados; se estamos a sonhar; se, se e mais se…. Tentámos recordar-nos do que aconteceu. Sentimos algo, por vezes, impossível de descrever. Durante dois ou três minutos a nossa mente não pára e perguntámo-nos se realmente estamos lúcidos?! A pulsação começa abrandar. Algumas memórias vêem ao de cima. Lembramo-nos aos poucos – pequenas imagens, acções e elementos do que sucedeu. Pensamos: Parecia-me tão real. Pensamos: Não era. Pensamos: Não passou de um sonho. E assim cai em esquecimento, sem lhe darmos grande importância, até ao seguinte... O filme de Christopher Nolan consegue transmitir tudo o que enumerei e muito mais! Acrescenta e desenvolve ideias. Nada baseado na fantasia, mas, sim, na lógica. Embora nos pareça quase mágico de tão hipnotizante que é, todo aquele jogo de ilusões e ‘viagens’, não o é. O realizador tem o cuidado, como em outros dos seus filmes, em optar por cientificamente explicar os processos - o que lhe confere veracidade e o que torna ‘Inception’ um filme inteligente e penetrante! Penetrante porque nos leva a pensar…bastante. Comparativamente aos outros filmes que vagueiam por aí, e que vi nos últimos anos a ganhar Óscares, este tem o ‘pacote’ todo, a meu ver, e destrona-os completamente. Desde o argumento brilhante e não oco ou cheio de clichés como a maioria, assim como a nível técnico está brilhante, tem ainda um ritmo invejável, sem tempos mortos, sem cenas para ‘encher chouriços’; todos os elementos que compõe o filme têm um propósito, propósito esse de fazer reflectir o público, de o envolver, de o iludir e de o consumir. Chegamos ao intervalo que existe nas sessões de cinema e sentimo-nos como que mentalmente obrigados a trocar impressões, devido ao excesso de ‘análises’ percepcionadas ao longo da primeira parte. Pelo menos eu senti. Sentimos, também, que é ridiculamente simples, o que o torna complicado para as nossas medíocres mentes. Passamos do real para o sonho, do sonho para o real, e vice-versa, e começamos no sonho que acaba também num ou não. Estas últimas semanas tentei fugir, no verdadeiro sentido, a qualquer tipo de spoiler. Consegui nos máximos que é possível, julgo eu, ao homem dos tempos modernos que possuí a poderosa arca do conhecimento – A Internet. Não foi tarefa fácil, admito, mas venci a curiosidade e guardei-me até este dia. Todos falam de grandes teorias, mas penso que, por isso, os responsáveis pelo filme se deveriam sentir realizados, orgulhosos e até babados pelo efeito que a sua obra teve nas pessoas. Quem viu os anteriores filmes de Nolan percebe que ele é um realizador perspicaz, que ilude e cativa o público, como que por ilusionismo, até ao último instante. É também um profissional que não gosta de facilitar ao público o entendimento do que criou, daí a maioria das pessoas dizerem que filmes como, por exemplo, ‘Memento’ e este último, serem filmes que dão o chamado ‘nó no cérebro’. Vejamos, a maioria das pessoas levantou grandes teorias elaboradas por causa do deambular das personagens entre o sonho e a realidade. Esqueceram-se que ainda estávamos na 7ªarte e que o realizador não o esqueceu. E que o filme é feito para ser realmente visto, com olhos de ver como se costuma dizer, para um público perspicaz. Se estivermos com atenção, penso que se percebe perfeitamente quando supostamente as personagens se encontram nas várias dimensões do sonho e quando regressão à realidade. E, sobretudo, quando passam pelo limbo. Entendemos também quando acordam dentro dos sonhos até chegarem à realidade e que o filme principia-se a partir de uma das partes finais do fim, digamos assim. Compreendemos isso quando a personagem de Leonardo Dicaprio, Mr.Cobb, explica como funciona a passagem para o limbo, dizendo que acontece caso alguém morra na terceira dimensão do sonho, sem acordar nas outras, descrevendo, assim, perfeitamente a cena inicial da película – de Saito, o japonês, que aparece completamente alienado e caquéctico sem ter noção da realidade, como se fosse um fantasma perdido entre a realidade e o sonho. Ao longo do filme são assim nos dadas pistas, pistas essas que coleccionamos até ao julgamento final para decidir - se tudo é um sonho ou se tudo foi real. É de ressalvar a actuação de todos os actores no geral, mas especialmente de Joseph Gordon-Levitt, que me desiludiu imenso no filme ‘500 days of summer’( embora tenha gostado do filme), mas que em ‘Inception’ faz um desempenho admirável: com classe, carisma e uma postura digna de um bom actor. Ellen Page não achei que estivesse brilhante, é um facto, mas também não se saiu mal. Leonardo Dicaprio, tal como em Shutter Island, merece uma salva de palmas pela sua performance eloquente – pena que denote uma certa similaridade com alguns dos seus últimos filmes, mas não deixa de ser uma óptimo desempenho. Marion Cotillard é uma actriz muito peculiar, já entrou em vários filmes conhecidos como ‘La vien Rose’, ‘Public Enimies’ e ‘Big Fish’, por isso, embora tenha um papel relativamente pequeno, percebemos o quanto é boa profissional. Voltando ao argumento. Podemos ainda antes de voltar ao seu significado, por em discussão se é falha de raccord ou quer dizer algo. O facto de numas cenas Mr.Cobb aparecer com aliança e noutras não, não consegui ver ao pormenor, mas reparei. que ele tinha pelo menos quando sonhava, acho que era uma forma de mostrar que nos sonhos ele ainda tinha ligação com a Mal, ao passo que na vida real não. O totem do Mr.cobb também é algo que é passível de se pôr em causa. Se quando esta nos sonhos ele roda infinitamente e quando está acordado não, se isso acontece, porque é que quando mostra Leonardo a ir busca-lo ao cofre, este está parado. Pode ser falta de atenção ou já confusão, mas quando o vir de novo o direi. Agora voltando ao significado da história em si. Basicamente, podemos ver por vários prismas ou podemos tentar ver pelo prisma de Nolan. Quando falo do seu prisma, falo baseado nos filmes que vi do mesmo. Christopher Nolan é um realizador de finais abertos. Finais suspense. Finais dúbios. Finais que julgam e põe o público a pensar, a delirar – como se viu com todas as teorias que circulavam pela internet. O cinéfilo deu-nos a ‘papinha’ toda, digamos. Confrontou-nos com tudo, distraiu-nos até ao último minuto, mesmo depois do clímax em que descobrimos que Mr.Cobb teve culpas no cartório. O realizador brincou com as nossas mentes, interagiu com o público de um modo tão profundo que nos fez duvidar da própria realidade e procurar ainda mais teorias da conspiração. O ‘peão’, um simples objecto, é o que no fim nos deixa a dúvida. Muitos ficaram a pensar que por não ter parado de girar, era tudo um sonho. Mas já pensaram que simplesmente Nolan quis que pensassem isso mesmo? A missão que Saito propõe a Mr.Cobb e à sua equipa é algo muito secundário no filme. Existe um verdadeiro significado que se tenta passar. O peão é uma das peças que nos bloqueia o raciocínio, até ao final. Vemos o que queremos ver, digamos, não as possibilidades do que é possível ver. Mesmo a poucos segundos do fim, quando Leo o põe a girar, esse mesmo ‘peão’ começa a dar a impressão de abrandar o ritmo e de ter uma grande instabilidade como se fosse cair; mas isso nunca saberemos porque Nolan acabou mesmo nesse momento a metragem. Deixando-nos apenas com a imagem e pensamento dividido. Pois aposto que a maioria das pessoas selaram logo o seu veredicto e concluíram: o final foi um sonho. À vista desarmada poderia o fim ser apenas uma brincadeira do responsável por ‘Dark Knight’, mas penso que ele vai mais além…O fim do filme actua como uma metáfora bem maior do que todas as teorias: de que a realidade é aquilo que quisermos – pode ser qualquer uma das que achamos com o filme -, pois a realidade é simplesmente aquilo em que realmente acreditas, seja sonho ou ‘real’; é alternativa. Nolan atira-nos isso à cara de uma forma indirecta, faz-nos querer decifrar algo que não é descodificável e faz-nos querer decidir e adoptar algo como o real, fazendo-nos acreditar nisso – de que há uma verdade. Daí não se ver o que acontece ao peão, uma vez que a própria personagem não espera muito para perceber se este cai ou não, preferindo ir ter com os filhos, escolhendo, portanto, a sua própria realidade! E por isso a afirmação tão certa da personagem de Ellen Page, Ariadne, de que ele ficaria bem e iria voltar, pelo menos, para a ‘sua’ realidade.
0 comentários:
Enviar um comentário